domingo, 28 de dezembro de 2008

Um lugar para nós...

Segundos não são o mesmo, toda a vulgaridade de dias sóbriamente doces se esquivou dum catáclito e caótico destroçar-se lento e premeditado para o deslumbre insensato de sentindos qualqueres, todos; poros queriam apenas sentir o prazer de porosiar e vislumbrou sob os dedos, dentro dos dedos um avante interrupto de dor e amor e ódio e orgasmo e morte e abraços e o gosto de sangue na boca e o gosto da saliva doce na boca e o desespero e a paz a angústia e satisfação, assim, dados como num só golpe ensurrecedor no peito apertado pela mediocridade do ser, um soco voluptuoso que arrancou marasmos e o terror do imediato. O pavor incandescente do imediato que passa e leva tudo feito furacão, mais forte que qualquer tornado, arrastando do pedestal para as larvas e baratas e bezouros do pós-mortem vivo, andante, não, não não. Não, nunca mais. Assim parafraseado por tudo que um dia cicatrizou a alma, cada arranhão e cada afago quente demais romperam as barreias da memória e transbordaram numa constelação azul que brilha apenas quando você não a olha, um punhado de estrelas juntas, que brilham tanto só quando não as olha. Corpos e sonhos violaram meios e fins para simplesmente ir... Aonde não sentia mais saudades do que não havia e nunca haveria, nem existia... A saudade de uma parte de si, um pedaço dos outros, de um alguém e de algo no mundo que jamais existiu de verdade e nem sequer existe, uma saudade da própria saudade e que mesmo ele não soube decifrar em palavras... Um dia, ele achou seu lugar, seguiu os sinais que nunca levam a nada, e descobriu após a escuridão e a luz o seu lugar. Aonde sua saudade de Deus acabou, seu desejo pelo Demônio não o transgredia ao avesso em noites calmas demais, e, nesse nosso lugar chamado casa, ele não tinha mais que revirar-se para ficar direito, ele não tinha nada, ninguém era culpado e não sentia mais culpa por nada. Fugimos para um lugar aonde podiamos chamar de casa...

domingo, 21 de dezembro de 2008

'Deixo por aqui todos os meus doloridos seres criados, para que não sofram escondidos nos porões da criação'

E assim era Clara, mais uma personagem perdida entre tantas outras personagens desinteressantes que povoavam o intelecto das pessoas não tão medíocres... Clara não realizara os grandes sonhos que tinha para si como tantas outras, sua tarefa era apenas cuidar de sua tia adoentada. Ela também não era tão bonita como as outras, tinha cabelos muxos demais, caídos demais sobre sua testa. Não tinha sido arrebatada por um grande amor, apenas conhecera o que era isso nas telas nos livros e em seus pesadelos mais intimos que jamais compartilhara com ninguém. Clara não era uma digníssima guerreira da vida pois tudo que tinha havia lhe aparecido de forma muito fácil, como que fadada pelo destino a ser isso e aquilo; e o pouco que não tinha nem ao menos perturbava seus desejos. Mesmo esse tudo não sendo tanto assim, Clara era assim, fácil de se acomodar em qualquer situação, pelo menos por fora. Não, por dentro ela não sangrava em lágrimas nem lamentações, sempre dizia a si mesma que havia nascido para ajudar as pessoas, e sempre o fizera com extrema maestria. Ao pé da letra, como o próprio maestro, ela era correta e eficaz, porém um tanto quanto impessoal, regia as coisas para que acontecessem da forma mais certa o possível, porém sem querer mesmo saber o que eram cada uma daquelas coisas e por que haviam de tocar ali os acordes de sua rotina. Não por maldade nem por descaso, Clara era apenas desatenta demais paras as misérias da vida, e quase sempre estava cercada por desarranjos.
Clara não se perguntava, apenas fazia... Executava todas as tarefas da casa, alimentava a tia dando-lhe de comer na boca e deixava sempre tudo tão limpo e organizado. Dava-lhe banho, penteava seus cabelos grisalhos e roubados pela idade, e as vezes quando a tia não conseguia dormir com medo de morrer, lia para ela histórias dos seus livros que tanto amava... Livros sempre foram meio que como um clichê, seus melhores amigos. Porém apenas aqueles das prateleiras coloridas para a garotada. Ela simplesmente adorava, dos mistérios aos romances, com figuras bobas de tantas em tantas páginas. Quando criança, seu pai falecera de acidente de carro, deixando sua mãe apática e totalmente abalada. A mãe passou a sofrer de esquizofrênia e nada fazia além de dizer que logo, seu pai estaria em casa para o jantar, portanto tudo deveria estar perfeito. Por dez longos anos a mesa era perfeitamente arrumada e o prato posto para ele, só jogado no lixo quando a mãe com o rotineiro olhar mais triste que ela já havia visto ia para a sala sentar ao lado da antiga poltrona do pai. A vida podia ser tão mais sinceramente triste do que nas histórias das amigas e em todas as novelas, a garota simplesmente ficara estática para toda emoção vinda de fora. Clara certa vez tentara argumentar com a mãe que o pai não voltaria, mas esta sempre se descontrolava e no dia do seu aniversário de quinze anos, cansada de suas próprias tristezas e das tristezas da mãe, gritou que o pai jamais voltaria, e a mãe desferira um tapa em seu rosto que a fez chorou pela segunda vez de que se lembrava, muito mais primeira já que, como a mãe, não entendera a morte do pai portanto perdeu poucas lágrimas no derradeiro dia. Ao completar vinte anos sua mãe morreu de tristeza, e o salário que havia sido passado para ela quando seu marido morrera, agora era de Clara. Clara não chorou no enterro da mãe, sim ficou muito triste, mas simplesmente não conseguia chorar. Toda seu sofrimento havia se dividido em anos e anos vendo a mãe definhar e morrer aos poucos, e realmente achava que aquela era a melhor coisa que poderia acontecer a ela. Se pegara imaginando o que faria com tanto dinheiro enquanto olhava para um ponto perdido que era sua mãe envolta de flores.
Clara tinha um terrível medo de amar, e acabar ficando como a mãe, portanto jamais se relacionara com menino qualquer, fosse no colégio, fosse ter conersas entre suas amigas, nunca havia sido beijada e se sentia a pessoa mais feliz do mundo por jamais ter que um dia ver seus 'dias alegres' como assim os chamava dependendo de outra pessoa que não fosse ela. Aprendeu desde cedo a ser feliz simplesmente, pois tudo sempre parecia conspirar para deixa-la triste com a vida que tinha, mas não, ela não queria ser mais uma sofredora portanto sempre exigira de si ser feliz amável alegre e afetuosa com as grandes, médias e pequenas coisas da vida. Tratava a sua mãe como uma pessoa normal, contava tudo que acontecia na escola, tudo que lia e a emocionava, tudo que importava para ela. Era sua confidente, porém Clara também aprendera em sua atipica infância a falar com as paredes, pois a mãe apenas sorria, lançava algumas perguntas simplistas sobre os relatos dela e logo ia contar mais uma vez as mesmas histórias que teve com seu pai, como se conheceram, sobre a gravidez, sobre a escolha do nome e sobre todas as coisas possíveis do pai. E Clara sempre ouvia as mesmas histórias mais uma vez, com os olhos vidrados na mãe mas permitindo que sua mente viajasse... Mas para onde então a peculiar cabeça de Clara viajava, quais eram seus pensamentos, o que a fazia feliz de imaginar? Ninguém nesse mundo sabia o que se passava por detrás dos negros olhos de Clara.
Não tinha diário, não tinha tantas amigas e todas sempre iam e vinham como aquelas amigas de espelho de banheiro feminino, que a acompanhavam ao cinema, ou mesmo em algum passeio da escola. Depois todas acabavam indo fazer suas coisas e se responsabilizar por suas responsabilidades, para a felicidade de Clara que não entendia muito bem como era ser lembrada e ter que dividir seus dias e momentos com elas. Sempre tão histéricas, tão tristes, tão insatisfeitas com vidas tão fáceis e tão ilhadas bem longe do sofrimento, não, isso passara por sua cabeça, mas também não era uma lésbica, não gostava de mulheres. E o que fazia Clara feliz então ,senão eram nem os amigos, nem os namorados, nem a família que ela não tinha, nem as coisas que podia fazer e as coisas que queria... Após a morte da mãe, a única parente próxima era a tia e esta fez questão que Clara passasse alguns dias com ela após a morte de sua irmã. Logo, a tia também adoeceu. E Clara então tinha mais um fardo para carregar. E o carregou muito bem até seus 24 anos, quando a tia também faleceu. Lembrando-se de tudo que havia passado com a mãe e com a tia, Clara relembrou que por várias vezes misturava produtos de limpeza no café e nas sopas das duas mulheres, as levando ao leito só para que pudesse cuidar dessas como se fossem filhas. Como Clara queria ter uma filha, mas não uma que crescesse ou mesmo que tivesse tanta vontade própria assim, para ela bastavam as pessoas adoentadas, companhias gélidas que não discutiam nem tinham chance de faze-la chorar denovo. Então Clara resolveu fazer enfermagem para cuidar das pessoas.

sábado, 20 de dezembro de 2008

Pintou as unhas de vermelho, sem empregar o menor cuidado pois sempre deixava os acertos para o final. Mal sabia ela que não teria tempo o bastante. Os bobs no cabelo estavam secos, e um a um destacava o grampo deixando que as mexas douradas caíssem lentamente sobre seus ombros. Passou o rímel curvando o máximo possivel seus cílios, e riscou os olhos com o lápis preto. Aplicou uma camada grossa e cintilante de batom vermelho sobre a boca, deu um beijo no canto do espelho sob os tantos outros beijos que ali estavam marcados, e repassou o batom sobre os lábios. Sorriu para si. O telefone tocou. Tirou-o do gancho e quando viu quem era, sentou em cima do vestido repousado na cama, que jamais usaria denovo. Enquanto o outro lado dizia algo, seus olhos foram se tornando estáticos e arregalados. Sem dizer nada para a pessoa, ela apenas recolocou o telefone no mesmo lugar de antes, e perplexa foi até o espelho. Uma lágrima fugiu do seu olho esquerdo, traçando uma aquosa linha preta em suas maçãs; rapidamente ela a secou com um lenço de papel que estava sobre a mesa. Usava apenas calcinha e sutian descombinados, uma preta e o outro branco. Tirou os dois. Entrou no banheiro, foi até a banheira, e ficou parada sentada em sua borda observando a água fumegante subir, apenas olhando com a mesma expressão. Foi até o armário por detras do espelho, pegou a tesoura, e ao fecha-lo olhou profundamente para dentro de seus olhos. Os lábios fartos. Os olhos verdes. O cabelo anelado. Era muito feliz por ser assim, e pela última vez se adimirou. Entrou na banheira deixando que a ponta de seus cabelos molhassem, algo impossível de se acontecer. Cortou os pulsos numa linha reta bem ao meio da articulação, e mergulhou os braços na água. Sorriu para si.